quarta-feira, 5 de maio de 2010

O Rio de Janeiro continua lindo.....


Parafraseando a letra da música do Gilberto Gil, convidamos a Bacharel, Licenciada e Mestre em Geografia, todos os títulos pela UFSC, a Diretora da AGB-do Rio de Janeiro e Dra. em Geografia pela UFF a Sra. Cristiane Cardoso para responder questões, que a maioria das vezes a mídia traz de forma sensacionalista e acabamos com aquela opinião por não estarmos vivenciando aquela situação. Agradecemos desde já a Sra. Cristiane por ter cedido parte de seu tempo.São questões que servem tanto para geógrafos profissionais quanto para professores e estagiários abordarem em sala de aula. Depois de ler a entrevista deixe os seus comentários para a nossa convidada.


PPEG- Em uma das entrevistas do Milton Santos: “Apenas quem quer as mudanças são os pobres, pois a classe média quer se manter com seus privilégios. Os direitos não interessam à classe média – a classe média não pede direitos, porque ela prefere ir pelo canal dos privilégios (Fórum,2004).” Será que o deslizamento que aconteceu na pousada Sankay, em Paraty, no Rio de Janeiro, neste ano, não serviu de sinal de alerta?

Sra. Cristiane Cardoso – Inicio perguntando que alerta é esse? A lei é para todos ou pelo menos deveria ser. Todos os municípios deveriam realizar seu plano diretor, e com ele todo mapeamento de áreas habitáveis ou não. Morar em encostas, não é um problema apenas da população pobre. Em varias cidades do Brasil, percebemos a ocupação destas áreas, por varias classes sociais, em Florianópolis, morar em um morro, não significa morar em favelas, existem varias casas de alto luxo localizadas nos morros da cidade.

Na Ilha Grande, a situação não é diferente. A Ilha é formada por morros e baixadas, uma parte pertence a áreas de Preservação, e outras podem ser ocupadas. A exploração turística do local fez com que se proliferassem varias pousadas, restaurantes, lojas e outros serviços fundamentais para o desenvolvimento da atividade. Alguns pescadores transformaram suas propriedades em pousadas e hotéis. Outros migraram, e grandes investidores ocuparam e realizaram construções para atender a demanda. O problema é que não houve um planejamento adequado para ocupar estas áreas. Logo as conseqüências aparecem: línguas de esgotos, praias contaminadas, exploração das atividades turísticas ecológicas sem uma demarcação adequada, e deslizamentos...

O Rio de Janeiro, assim como todas as cidades que apresentam situações semelhantes de desenvolvimento econômico e social, é uma cidade que se constituiu através das desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais, gerando inúmeras formas e conteúdos espaciais que influenciam diretamente nos modos de vida, nas relações estabelecidas, na maneira de “avaliar” e conceber determinados lugares, bem como de ser atingido direta ou indiretamente por algumas catástrofes.

Com um clima tipicamente tropical litorâneo / úmido, influenciado pela massa de ar Tropical Atlântica e pela passagem da Massa Polar Atlântica, apresenta características de temperatura elevada e chuvas abundantes ao longo do ano inteiro, porém, nos meses de verão o calor se intensifica e as chuvas também. Não é de hoje que as chuvas causam estes problemas. Todo ano, nos meses de verão, a cidade já sabe o que acontece... vivenciamos o resultado desta combinação: temperatura alta, choque de frentes, chuvas intensas, entupimento da rede de esgoto, lixo, assoreamento dos rios, atuais valões que cortam a cidade, ocupação das encostas, aumento da população em áreas de risco, falta de planejamento urbano e ambiental. As conseqüências, também já conhecemos: caos na cidade, prejuízos materiais, mortes, desalojados...

A cidade é um espaço produzido socialmente, portanto, possui realidades complexas e situações múltiplas que correspondem às políticas de ocupação, aos conflitos em relação ao uso e às contradições da apropriação social que influenciam diretamente em suas condições de existência material e simbólica. Nas políticas implantadas no desenvolvimento das Cidades, sempre houve um privilégio (recursos financeiros) para as áreas ou bairros considerados mais nobres. Isso gera um grande desequilíbrio nas formas e funções que a cidade apresenta. Isso gera também um desequilíbrio nas conseqüências destas catástrofes...


PPEG- Li em uma
reportagem que ainda há 18 comunidades nas mesmas condições do Morro do Bumba, casas construídas em cima de lixões. Como será feito todo esse levantamento/ mapeamento dessas áreas de risco?

Sra. Cristiane Cardoso – Não tenho essa informação precisa. Não sei quantos conjuntos habitacionais, casas, pessoas vivendo nesta situação. Mas acredito que sejam muitas espalhadas pelo Brasil a fora. Casas que foram construídas pelo próprio governo e/ou permitidas por ele. Digo isso porque, quando se leva, água, luz, telefone, IPTU e outros... estamos permitindo a ocupação desta área. Lembro de uma realidade vivenciada a uns 10 anos atrás quando visitei uma área em Criciúma, Sul de Santa Catarina, a comunidade foi inserira em cima de uma área de rejeito do carvão. A área tinha cheiro de enxofre, solo escuro da pirita, águas ao redor contaminada... diante deste quadro... será que essa comunidade tinha qualidade de vida e ambiental? Quais conseqüências a curto, médio e longo prazo? E para onde iriam?

No caso do Morro do Bumba, será que esta comunidade tinha a noção de que ali existia um lixão? Será que mais uma vez o pobre levará a “culpa”por esse acontecimento?
Historicamente percebemos os discursos midiáticos e políticos sendo re-produzidos quando se fala da favela e de espaços populares. Observamos uma infinidade de discursos existentes sobre as favelas, alguns de maneira preconceituosa tentando justificar as ações do poder público, outros reafirmando a posição de diferença em relação à cidade.
Pensando na mídia como um mecanismo fundamental na construção das representações sobre as favelas à medida que ela contribui para uma formação de opinião das pessoas que não vivenciam determinados lugares e acabam utilizando o concebido e o percebido para significá-los, a partir de suas respectivas “visões sociais de mundo”.

As favelas surgem nos chamados espaços vazios da cidade, desvalorizados pelo setor imobiliário, dentro de um contexto que determina que as pessoas desprovidas das condições impostas por esse mercado se instalem em áreas “menos atrativas”, tais como encostas, manguezais e agora os lixões.


PPEG- “O campo de preocupação da Geografia é o espaço da sociedade humana, em que homens e mulheres vivem e, ao mesmo tempo, produzem modificações que o (re)constroem permanentemente.”(VICENTINI,2003) Qual será o papel do Geógrafo, interligado com outras profissões, no planejamento urbano e no controle do crescimento desordenado/desenfreado das ocupações irregulares nas encostas de morros?

Sra. Cristiane Cardoso- O espaço geográfico é produto de inter-relações que dependerão de três aspectos fundamentais: vivência (cotidiano marcado pela experiência), percepção (práticas espaciais, trabalho, lazer) e concepção (construções teóricas e práticas sociais). Na produção do espaço, as cidades estão interligadas por diversas escalas de análise. Segundo Lefebvre, o espaço é resultado de uma percepção, concepção e de uma vivência. Isto é, o espaço vai sendo modelado e remodelado a partir de três aspectos: 1o - a visão dos planejadores (nível do concebido, do conhecimento e das representações políticas e sociais), que são embasados por teorias vigentes em cada momento histórico, planejando a cidade e formulando modelos “ideais” e racionalizados pela visão técnica; 2o - das práticas sociais que vão sendo estabelecidas a partir das atividades diárias, dos diversos lugares onde se realizam as atividades de trabalho, da vida privada, de lazer e das festas; 3o - pelo cotidiano, o vivido, das relações diretas das pessoas com o seu lugar de morada, o plano afetivo, corpóreo.

Controlar o crescimento desordenado (pergunto para quem?), remoção da população, entre outros termos, são discursos complicados. Precisamos cuidar com estas declarações. Perceber diversos discursos construídos socialmente também. O problema vai muito alem da cidade. Falamos de remoção, crescimento desordenado... mas esquecemos das causas destes, os problemas nas áreas agrícolas do Brasil, a reforma agrária, falta de emprego regular, entre tantos outros...

O papel do geógrafo deve ser, como vocês mesmo já inserem nessa questão, interligado a outras áreas do conhecimento. As ciências deveriam se comunicar para realizar um planejamento real. Toda prefeitura deveria ter uma secretaria de planejamento que realmente estivesse discutindo a cidade, realizando um plano diretor, que pudesse mapear todas as áreas. Seu campo de atuação é a sociedade e o meio na qual esta inserido, pensando sempre em causas, conseqüências, a curto, médio e longo prazo.

Referêcia do livro mencionado na úlitma questão: VESENTINI.José William –VLACH.Vânia. Geografia Crítica. Editora Ática.PNLD.2003.

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